O sistema de espionagem digital do governo americano é muito mais amplo do que se imaginava. Nem o cidadão brasileiro está imune
>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
Os computadores foram criados para espionar. Um dos primeiros foi criado em 1943, no Reino Unido, para que os Aliados pudessem decifrar mais rapidamente as mensagens nazistas. A internet foi criada para guerrear. Militares americanos desenvolveram nos anos 1960 o conceito da rede de comunicações sem centro, que os soviéticos não conseguiriam desativar, mesmo com um ataque devastador. Hoje, essas duas tecnologias mantêm-se entre as principais armas dos serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos. Nos últimos anos, sem nazistas nem soviéticos para enfrentar, as autoridades empurraram o papel de inimigo para outro alvo: o cidadão comum, nos Estados Unidos e em outros países – inclusive no Brasil. “Estamos totalmente desprotegidos”, diz o engenheiro Marcelo Zuffo, coordenador do Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas da Universidade de São Paulo. “A única saída, neste momento, seria parar de usar a internet.”
Os detalhes são revelados desde o início de junho, quando o técnico e exconsultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) Edward Snowden divulgou milhares de documentos sigilosos dos Estados Unidos. Alguns desses documentos, divulgados pelo jornal O Globo, revelam um sistema de espionagem específico para a América Latina, destinado não apenas a questões de segurança, mas também à obtenção de segredos comerciais. A simples notícia de que governos espionam digitalmente os cidadãos não impressiona aqueles com alguma noção de como funcionam a tecnologia, o poder e a geopolítica. Mas surpreendem o alcance da rede de coleta de dados, a forma indiscriminada como a coleta é feita e o modo como empresas colaboram com os governos envolvidos. “Como regra, não se deve confiar nas multinacionais americanas”, disse Snowden em entrevista à revista alemã Der Spiegel. A afirmação incomoda por causa da onipresença de empresas americanas na vida brasileira – das mais familiares, como Google, Microsoft ou Facebook, às menos conhecidas, mas fundamentais para os serviços de comunicação, como AT&T, Verizon ou Intelsat.
Diante das declarações de Snowden, pode-se supor que estejam a salvo de espionagem as agendas das autoridades brasileiras? O que dizer de tecnologia sensível, como os projetos de aeronaves da Embraer ou as sementes da Embrapa? Nessa guerra digital global, o Brasil é tão vulnerável quanto a maioria dos países – apenas um punhado de potências econômicas e tecnológicas, como EUA, Reino Unido e Alemanha, tem recursos suficientes para espionar e tentar se proteger de forma eficiente. O Brasil é muito maior, mais populoso e mais rico que a maioria dos países. Usamos mais a internet e atraímos mais empresas estrangeiras. Parecemos um alvo fácil – grande, gordo e lento. Fonte: Revista Época.