Os piores venenos, às vezes, nos são oferecidos como os melhores remédios. É dessa forma que a privatização de estradas e outros bens públicos não é justificada pelo lucro garantido das empresas privadas envolvidas na transação, mas para “melhor atender” à população. De outro modo, uma grande obra pública de transporte, cujo trajeto evidencia a exclusão da maioria que usa ônibus, pode ser propagandeada como “a grande solução” de mobilidade urbana. Não é diferente com a PEC 241 – agora, na sua chegada ao Senado, PEC 55. A tal Proposta de Emenda Constitucional busca estabelecer um “Novo Regime Fiscal” baseado na limitação de crescimento do gasto público federal, considerado pelo ilegítimo governo Temer o grande problema responsável pela situação de crise econômica do país. Logo, deveríamos aceitar o amargo remédio como solução para o sofrimento popular com o aumento do custo de vida, a elevação do desemprego e o forte endividamento das famílias. A questão é que, como diz o povo, “o buraco é mais embaixo”.
A justificativa que o gasto público é o grande vilão do momento, diante de uma rápida análise do Orçamento Geral da União, soa no mínimo fraudulenta. Com generosidade, em 2015, a soma de todos os gastos sociais chegou a cerca de 16% no máximo – segundo dados da Auditoria Cidadã da Dívida, a partir de informações oficiais do Senado. Em contrapartida, segundo a mesma fonte, se gastou 42,43% com juros e amortização da chamada “Dívida Pública”, mecanismo financeiro que transfere recursos para bancos e uma minoria privilegiada através dos títulos da Dívida Pública – um sistema de endividamento questionado em sua legitimidade e legalidade por movimentos populares, especialistas e mesmo uma CPI realizada entre 2009 e 2010. Porém, a PEC 55 estabelece um “teto”, isso é, um limite apenas para as “despesas primárias”. Isso significa que, de modo muito conveniente para os interesses dominantes no Brasil, a limitação serve apenas para áreas como saúde, educação, cultura, saneamento ou assistência social porque a parte gasta com a dívida pública não é considerada “primária”. Na verdade, a própria sobra de recursos orçamentários, o tal “superávit” tanto defendido pela grande mídia, será canalizada para a dívida pública.
Por outro lado, se para a minoria privilegiada que se alimenta do sistema da dívida a PEC 55 é ótima, para a maioria da população brasileira o cenário é de catástrofe – Aliás, a proposta tem sido chamada justamente de “PEC do fim do mundo”. Nela é estabelecido o congelamento de gastos públicos durante 20 anos, considerando que os recursos seriam corrigidos ano após ano apenas pela inflação. Isso quer dizer, por exemplo, que em termos relativos o mesmo dinheiro investido hoje em educação será o que teremos disponível daqui a duas décadas. Se isso por si já seria uma estupidez porque os níveis atuais de investimento em educação pública são muito abaixo das necessidades históricas da sociedade, como demonstrado pela recente campanha para que 10% do PIB fosse para essa área, a situação é ainda mais absurda porque essa PEC retira completamente a capacidade do Estado em investir e ampliar a oferta para atendê-las. A questão não é só não haver cortes no orçamento que temos agora, como o governo e seus defensores insistem em negar: a questão é que o atual não dá conta de garantir educação pública de qualidade para todos e todas, mas o aumento real de recursos para a área ficará bloqueado na prática por anos a fio – inclusive, diante do crescimento da população. Isso é a destruição de direitos para toda uma geração, especialmente para as milhões de crianças e de jovens de hoje.
Óbvio, o veneno já nos é oferecido há algum tempo: o próprio governo Dilma, antes do golpe, deu legitimidade à falsa noção que a saída da crise econômica passava por um “ajuste fiscal” que implicava em ataques a direitos. Não à toa, encaminhou um projeto de lei com medidas parecidas, embora com menor alcance, o PLP 257. Assim, os patrocinadores do atual governo esperavam encaminhar rapidamente seus interesses, já que contavam com essa narrativa prévia e agora controlam mais facilmente algumas das principais instituições do país. O próprio governo Temer age como o ladrão que busca colocar apressadamente o máximo de coisas na sacola antes que o dono da casa acorde: a movimentação tem sido aprovar a PEC 55 sem que a maioria da população perceba o que está em jogo, inclusive o fim do aumento real do salário mínimo a partir de 2017. Não contava com a resistência imediata que cresce nas redes, nas ruas e, especialmente, nas milhares de ocupações estudantis Brasil à fora. Por tudo isso, as mobilizações merecem todo apoio possível porque são a expressão sincera da luta contra um projeto de Brasil ainda mais injusto. Principalmente nós, professores e professoras, temos a obrigação moral de estimular a reflexão sobre o momento, apoiar e participar desse processo. Em tempos perigosos de “Escola sem Partido”, não tomar parte agora é contribuir para um futuro sem escolas.
*Por Jhonatas Monteiro