Relatora das Nações Unidas elogia trabalho do MPF/MS e pede punição de responsáveis por ataques a índios no estado
Relatório das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas no Brasil ressalta que os povos indígenas estão mais vulneráveis agora do que em qualquer outro tempo desde a Constituição Federal de 1988. O documento foi divulgado nessa terça, 20 de setembro, durante a 33ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada em Genebra, na Suíça.
O trabalho é resultado da missão da relatora especial sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, que esteve no Brasil de 7 a 17 de março deste ano para fazer um diagnóstico da situação indígena e acompanhar a evolução das recomendações feitas pela ONU em 2009, por meio de seu antecessor, James Anaya. Durante a missão, Victoria visitou aldeias, comunidades, instituições e órgãos públicos que atuam na temática.
Segundo o coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, “nós do MPF não fomos surpreendidos. Os problemas como demarcação, violência contra indígenas, impacto de grandes projetos sobre terras e a ausência de processo de consulta prévia, livre e informada de medidas que os atingem já eram conhecidos pelo ministério público”.
O procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua na questão indígena em Mato Grosso do Sul, representou o MPF na 33ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ele aponta que “infelizmente, a resposta do Brasil ao relatório não enfrentou as causas estruturais das violações apresentadas. Enquanto não houver uma mudança na abordagem jurídica e administrativa, os mesmos e, provavelmente, piores resultados ocorrerão”.
Muito índio, pouca terra – Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, mais de 70 mil pessoas divididas em várias etnias. Apesar disso, somente 0,2% da área do estado é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, dez e trinta vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul.
A taxa de assassinatos entre os guarani – cem por cem mil habitantes – é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem mil pessoas.
Em Dourados, há uma reserva com cerca de 3600 hectares, constituída na década de 1920. Existem ali duas aldeias – Jaguapiru e Bororó – com cerca de 14 mil indígenas. A densidade demográfica é de 0.3 hectares/pessoa. O procurador Marco Antonio Delfino de Almeida aponta que “esta condição demográfica é comparável a verdadeiro confinamento humano. Em espaços tão diminutos é impossível a reprodução da vida social, econômica e cultural.
Direito à consulta e conflitos – O relatório critica as violações de direitos das populações indígenas por grandes empreendimentos, alertando para a importância de se ouvir os povos sobre projetos que os atinjam, em cumprimento à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Segundo Victoria, o mecanismo “impediu contestações judiciais dos povos indígenas e permitiu que os projetos prosseguissem sem o cumprimento do dever do Estado de consultar para obter o consentimento livre, prévio e informado dos povos afetados”
A relatora especial destacou, ainda, os atentados cometidos contra os povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Victoria Tauli-Corpuz condenou os ataques e conclamou o governo brasileiro “a pôr um fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar e processar seus mandantes e autores diante da Justiça”.
Victoria elogiou o MPF pela condução da investigação sobre o ataque violento de 14 de junho de 2016 no estado e pela denúncia contra 12 pessoas envolvidas no uso de milícias contra povos indígenas. Avaliou, ainda, ser urgente a conclusão do processo e a responsabilização dos envolvidos pelo Poder Judiciário.
Recomendações – Com base nas observações feitas durante a missão no país, a relatora especial sugere uma série de recomendações ao governo brasileiro, como a adoção de medidas urgentes para enfrentar a violência e discriminação contra os povos indígenas; o fortalecimento de instituições públicas como a Funai; a capacitação de autoridades públicas, inclusive altas autoridades do poder Executivo e juízes de primeiro grau, considerando sua inapropriada aplicação de doutrinas que negam direitos.
A ONU também recomenda ao Estado brasileiro redobrar esforços na demarcação e proteção de terras; alocar recursos para melhorar o acesso à justiça; garantir significativa participação e consulta prévia, livre, informada e de boa-fé dos povos indígenas com relação a grandes ou impactantes projetos de desenvolvimento e respeitar protocolos indígenas próprios para consulta e consentimento com relação a assuntos de desenvolvimento; e assegurar, de maneira participativa, estudos de impacto e compensações para os danos causados.
Resposta do governo – Em resposta ao relatório da ONU, o governo brasileiro informou que está estudando “cuidadosamente” as recomendações feitas e que discorda da afirmação de que houve retrocesso na proteção dos povos indígenas entre a visita do ex-relator especial James Anaya, em 2009, e a visita de Victoria, em 2016.
Segundo o governo, o Brasil “não subestima os desafios enfrentados na promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas” e elenca uma série de ações que demonstram que “evolução positiva e significativas ocorreram”. O governo federal cita, como demonstrativo de suas ações, a constituição, pelo Ministério Público Federal, da Força Tarefa Avá Guarani e os trabalhos por ela realizados no Estado de Mato Grosso do Sul.
A Força-Tarefa Avá Guarani foi instituída pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para apurar crimes contra comunidades indígenas de MS. Em 10 meses de investigações, doze pessoas foram denunciadas por formação de milícia privada contra os índios e outras cinco foram presas preventivamente por participação em crimes contra indígenas.
O MPF esclarece que, ainda que a instituição não integre a estrutura do executivo federal (a quem compete reprimir os crimes cometidos contra as comunidades indígenas), a força-tarefa “é uma maneira de dar uma resposta efetiva aos milhares de indígenas vítimas de violência, que poderiam deixar de acreditar na Justiça por causa da impunidade”. Só nos últimos 10 anos, pelo menos um índio foi morto por ano em decorrência do conflito fundiário em Mato Grosso do Sul.
(*Com informações do MPF/MS)