O Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi criado em 1990, mas só 15 anos depois foi criada em Barreiras a Lei 704/05 que institui a Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). Mas só ficou no papel. Hoje, caso o consumidor queira reclamar de um direito amparado pelo CDC, tem que se dirigir ao Juizado Especial Cível. E a constituição de um advogado de defesa e as custas processuais acabam fazendo o consumidor desistir do seu direito.
Para a presidente da subseção da OAB em Barreiras, Cristiana Matos Américo, que esteve à frente de um movimento que nasceu no âmbito universitário em 2009 a favor da criação do Procon no município, falta vontade política. “Até agora nenhum gestor teve coragem de implantar o órgão”. A instalação e atuação do Procon no município seriam o primeiro passo para promover a educação de consumo consciente, explica a advogada. Até lá, o cidadão vai ter que contar com a ética e a sensatez do comerciante. Veja a entrevista:
Em 2009 a senhora coordenou um movimento para a criação de uma Procuradoria de Defesa do Consumidor em Barreiras. Como anda esse processo?
O primeiro evento aconteceu em dezembro, com o Projeto “Procon: Educação para o consumo”, pela Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB). Foi realizada uma mesa-redonda de debate com a sociedade e participação de associações representativas, autoridades, a ex-prefeita e vereadores. Na época, foi realizada uma pesquisa pelos alunos. Conseguimos recolher cerca de 14 mil assinaturas de pessoas que queriam a implantação de uma procuradoria e discutimos as vantagens de implantá-la. Nessa mesa-redonda entendemos que esse órgão administrativo faz o que outros órgãos administrativos não têm atribuição, que se chama de educação para o consumo. Na época, esse evento foi bastante repercutido, e a então prefeita, inclusive, até estabeleceu prazos afirmando que em março o órgão já estaria implantado, que já tinha sido providenciado um local apropriado e nos levou para conhecer. Este imóvel existia mesmo. Localizava-se no posto de atendimento da Delegacia da Polícia Federal e estava alugado para o município. Ela disse que enquanto isso as pessoas tinham que fazer o treinamento em Salvador, e nada. A gente também não podia avançar, forçar o município. Se existe a lei específica, o Executivo tem o dever de implantar, mas a gente não tinha como cobrar isso judicialmente, porque isso é uma ação civil pública, é de interesse da coletividade. Existem pessoas que são autorizadas por lei. O Ministério Público, que firmou compromisso, se omitiu. Por isso não entrou com ação civil depois. A gente não constituía uma associação civil pública, não tínhamos essa legitimidade. A gente ficou no vácuo esse tempo todo. No ano seguinte foi realizado outro evento, a primeira audiência pública sobre “Qualidade do Serviço Público em Barreiras”, na Câmara de Vereadores. Também foi feita uma pesquisa com uma amostragem bem representativa para saber a qualidade de serviços públicos do município, a exemplo de transporte, telefonia, serviço de Embasa e outros. Nessa, audiência a prefeita não compareceu.
A criação de um Procon é de responsabilidade do município ou do Estado? Por que ainda não deu certo? O que falta?
O Procon pode ser feito de duas formas: gestão estadual e municipalizada. Na estadual, o próprio estado implanta e arca. Na municipalizada, o primeiro passo é a criação da lei. Já tem oito anos que existe essa lei, a número 704/05, aprovada em 27 de dezembro de 2005, mas nenhum gestor teve coragem de implantar o órgão. Do jeito como está estabelecido dentro da legislação municipal, esse dever é do município, é ele que arca com o custo do órgão no que se refere ao imóvel e as pessoas que irão trabalhar no órgão. Existe um treinamento específico, cargos administrativos, privativos em bacharel em direito, e um curso ministrado pelo Procon Estadual. O município não quer arcar com o custo do órgão e quer passar essa responsabilidade para o estado. Não é a melhor alternativa. O que a gente pode pensar é em uma gestão compartilhada entre estado e município. Falta vontade política para implantação do Procon em Barreiras. As coisas não avançavam. O primeiro passo é a criação da lei e ela já existe. O segundo é a implantação: alugar o local, nomear as pessoas e encaminhar ao treinamento. Falta o lugar e pessoas para trabalhar. Primeiro, vamos tentar congregar os interesses para implantar o órgão, sem que precise judicializar. Às vezes, isso se arrasta por mais tempo, quando se poderia conseguir por meio de uma forma amigável e consensual. Se não for conseguido na base do diálogo a justiça tem o poder de obrigá-la [a prefeitura].
Com a ausência do Procon no município, a quem recorrer?
Para resolver isso o consumidor recorre ao Juizado Especial Cível. Existe uma demanda reprimida muito grande. Quando você vai para a via judicial acaba dificultando; a maioria das pessoas vai constituir um advogado para defesa de seu interesse, vai ter que passar por um trâmite judicial. O processo judicial tem um custo e esse custo de transação entre as partes faz com que muitas vezes as pessoas repensem sua decisão. Se existe um problema com uma mercadoria que custa 100 reais, para que vou me desgastar tanto para resolver isso na via judicial que demora muito, em que se espera uma resposta efetiva que na maioria das vezes não vem? Pode ser que a empresa queira fazer um acordo e, se não, tem que esperar o tempo do processo judicial, que infelizmente no Brasil é lento porque a estrutura do judiciário brasileiro já faliu há muito tempo. É preciso rever isso. Eu penso que o diálogo deve ser sempre a primeira via para solucionar esses conflitos de interesse e fazer com que as partes envolvidas acabem cedendo, aí acho que essa solução pacificadora é sempre a melhor.
Como a OAB de Barreiras pode ajudar a resolver esse problema?
A OAB é um órgão de classe, mas além dessa responsabilidade com a classe e defesa de prerrogativas, existe o dever social. E tem legitimidade para propor as ações. O grande instrumento da OAB é isso, dar voz a quem não tem voz. Em janeiro, fiz uma visita de cortesia ao atual prefeito e ao presidente da câmara que se mostraram receptivos. E a OAB falou sobre suas prioridades. Destaquei a prioridade do órgão no plano social que é a implantação do Procon. Se não for possível hoje essa implantação por meio da via consensual, será necessário levar essa briga adiante – se for o caso, às últimas vias! E judicializar essa discussão junto com uma ação competente para que se cumpra o que determina a lei. Barreiras é um polo de serviços. É uma região que não atende 200 mil habitantes, mas atende mais de 1 milhão de habitantes. E diante disso existe a necessidade da educação para o consumo. As pessoas ficam na multa, na punição específica. A justiça resolve o caso concreto. O Procon, como é um órgão administrativo, não vai se preocupar, a priori, com o problema individual. Tem um aspecto maior, que é se preocupar com problemas coletivos.
Que tipo de mudança permitiria a atuação dessa procuradoria?
Primero contribuiria para a formação do consumo consciente. Por ser um órgão administrativo com poderes de fiscalização, inibe determinadas posturas, principalmente de fornecedores de serviços de grande espécie, coíbe atitudes que afetam não só o direito individual, mas o coletivo. Desafogaria também os juizados especiais cíveis naqueles casos em que é possível uma conciliação, porque se todo mundo que tem problema resolver buscar a justiça para solucionar, o sistema trava. Parte da demanda reprimida é trabalhada pelo órgão à medida que consegue solucionar algumas questões. Promover a educação para o consumo e fiscalizar. A lei reconhece o consumidor como a parte mais fraca o que não significa que seus direitos sejam ilimitados, tem deveres também. Um dos princípios do poder judiciário é a inércia, não se posiciona sem ser provocado. Já a administração não precisa ser provocada para agir. O Procon tem mais dinâmica de ação.
Após 23 anos do lançamento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), a senhora considera que o consumidor está mais consciente dos seus direitos ou desacredita com tanta burocracia em torno de seus direitos?
O Código de Defesa do Consumidor foi um avanço fantástico para o Brasil e hoje é um dos mais modernos do mundo. Se por um lado demoramos muito para aprovar a legislação, a espera valeu a pena porque é uma das mais modernas. Mas por que o consumidor brasileiro é mais desrespeitado que o norte-americano? Educação de consumo. No Brasil a gente peca muito pela efetividade da aplicação da legislação consumerista, uma vez que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor previsto no código é moderno e está aliado de órgãos judiciais como Juizado Especial Cível, administrativos (como os Procon’s); a órgãos que cuidam da esfera penal como as delegacias especializadas em defesa do consumidor, associações civis de defesa do consumidor. Tem um leque de associações que integram esse sistema, mas que infelizmente ainda não existe a efetividade, seja porque o estado não implantou de forma eficaz esses órgãos, seja porque na maioria desses municípios esse sistema não foi implantado de forma completa, como em Barreiras.
Revista A