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Rio de Janeiro RJ 14/05/2018 - Anistia Internacional lembra dois meses da morte de Marielle Anistia Internacional lembra dois meses da morte de Marielle
Rio de Janeiro RJ 14052018 Anistia Internacional lembra dois meses da morte de Marielle Anistia Internacional lembra dois meses da morte de Marielle Foto Fabio CaféAnistia Internacional

Seis meses se passaram desde que a defensora de direitos humanos e vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados a tiros no bairro do Estácio, região central da cidade do Rio de Janeiro, no dia 14 de março deste ano. A cada dia que passa, aumenta a preocupação com a ausência de respostas sobre os autores, os mandantes e a motivação do assassinato de Marielle Franco.

“O assassinato de Marielle e Anderson completou seis meses. A falta de solução para o caso é inadmissível. A impunidade não pode estar no horizonte das autoridades. O Estado brasileiro, as autoridades federais e estaduais e as instituições do sistema de justiça criminal têm todos a responsabilidade de garantir que o assassinato de Marielle Franco seja devidamente investigado e que os verdadeiros responsáveis sejam identificados e levados à justiça”, disse Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

Desde a noite de 14 de março, a Anistia Internacional vem exigindo que os órgãos competentes garantam uma investigação imediata, rigorosa, independente e imparcial do crime. Um dia após a execução, foi publicada uma nota urgente e, em seguida, aberta uma ação de e-mails para pressionar as autoridades responsáveis. Em seis meses de mobilização, mais de 165 mil pessoas se manifestaram pela resolução do caso com assinaturas vindas do Brasil e de países como Argentina, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul, Irlanda, Itália, Japão, Noruega, Peru, Portugal, Espanha e Suécia.

Nesses 6 meses, a Anistia Internacional organizou também ações em frente à Divisão de Homicídios da Polícia Civil, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Só após a pressão sobre as autoridades que representantes da Anistia Internacional e familiares de Marielle foram recebidos pelo procurador-geral de Justiça do estado, Eduardo Gussem, e pelo secretário de estado de segurança, general Richard Nunes.

No fim de agosto, o Ministério Público anunciou a inclusão do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) no caso, demanda feita pela Anistia Internacional no marco dos três meses do crime. Uma nova equipe do órgão assumiu a investigação em setembro e espera-se, desta equipe, celeridade.

“O Ministério Público tem papel fundamental para garantir a competência e independência na apuração do caso. A entrada do GAECO é bem-vinda, mas é preciso envolver também o GAESP (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública) na investigação e monitorar a atuação da Polícia Civil. Além disso, é urgente a constituição de um grupo totalmente independente do Estado para o monitoramento das investigações, que verifique se o devido processo legal está sendo seguido”, afirmou Werneck.

A Anistia Internacional vem chamando a atenção para a necessidade do estabelecimento de um mecanismo externo e independente de monitoramento das investigações, que seja formado por especialistas (tais como peritos, juristas, entre outros) que não tenham qualquer conflito de interesses em relação ao caso e que seja totalmente independente do aparato estatal. Este mecanismo deverá monitorar o andamento das investigações, o cumprimento das diligências e verificar se está havendo algum tipo de influência indevida ou negligência no processo. O secretário de segurança, Richard Nunes, se posicionou favoravelmente à iniciativa em reunião com familiares de Marielle e representantes da Anistia Internacional no dia 20 de agosto.

Assassinato pode ter tido a participação de agentes do Estado e das forças de segurança

Embora as investigações estejam sob sigilo, algumas informações veiculadas pela imprensa indicariam que o assassinato de Marielle Franco teria sido cuidadosamente planejado, um crime sofisticado, que teria contado com a participação de agentes do Estado e das forças de segurança.

Dois carros teriam sido usados no assassinato e teriam placas “clonadas”. Imagens de vídeo mostram um dos veículos aguardando a saída de Marielle de um evento em que era debatedora para seguir o carro da vereadora minutos antes do crime. No vídeo, é possível ver que o motorista usa em diversos momentos um aparelho pequeno que parece ser um celular. No entanto, o momento do crime não foi gravado porque algumas câmeras de segurança, parte do sistema que alimenta o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) do Rio de Janeiro, que cobririam especificamente o local do assassinato, teriam sido desligadas às vésperas do crime.

Além disso, os disparos, cerca de 13, teriam sido feitos com os carros em movimento e quatro disparos teriam atingido com precisão a cabeça de Marielle. A munição utilizada seria de calibre 9mm, calibre de uso restrito no Brasil, e seriam do lote UZZ-18, um lote pertencente à Polícia Federal que teria sido desviado há alguns anos. Munição pertencente a este mesmo lote teria sido utilizada em uma chacina em São Paulo em agosto de 2015, que contou com a participação de policiais que seriam parte de um grupo de extermínio.

Embora inicialmente tenha sido divulgado que a arma utilizada seria uma pistola 9mm, veio à público a informação de que a arma utilizada seria uma submetralhadora HK-MP5, de origem alemã, que também é de uso restrito e não muito comum no Brasil. Cinco unidades de submetralhadoras deste mesmo modelo teriam desaparecido do arsenal da Polícia Civil, o que teria sido identificado em um recadastramento feito em 2011.

Rio de Janeiro RJ 13/06/2018 Anistia Internacional faz ato em frente ao Ministério Público Estadual pressionando pela resolução do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Na foto, Mônica Benício, viúva de Marielle Franco
Rio de Janeiro RJ 13062018 Anistia Internacional faz ato em frente ao Ministério Público Estadual pressionando pela resolução do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes Na foto Mônica Benício viúva de Marielle Franco Foto Tania RegoAgência Brasil

Ainda teriam ocorrido algumas negligências e procedimentos equivocados nas perícias necessárias: não teria sido feito raio-X dos corpos de Marielle Franco e Anderson Gomes possivelmente por falta de equipamento em estado de funcionamento; e o carro não teria sido armazenado de forma adequada, teria ficado num pátio exposto indevidamente.

Por fim, diversas supostas linhas de investigação também foram veiculadas pela imprensa ligando o assassinato de Marielle Franco a policiais militares do 41º Batalhão da Polícia Militar, a grupos de milícias atuantes na Zona Oeste, a vereadores da Câmara Municipal Rio de Janeiro e a deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Nomes de supostos suspeitos e a existência de testemunhas delatoras também foram divulgadas pela imprensa.

“Estamos diante de um cenário muito preocupante. O assassinato da defensora de direitos humanos e vereadora Marielle Franco muito provavelmente contou com a participação de agentes do estado. O crime possivelmente tem por trás um grupo poderoso o suficiente para acreditar na garantia de impunidade a ponto de cometer tal execução em uma das cidades de maior visibilidade do mundo, durante o período de intervenção federal na segurança pública e em ano eleitoral”, disse Werneck.

Marielle Franco e a defesa de direitos humanos

Marielle Franco atuava há mais de dez anos defendendo os direitos humanos de jovens negros, de mulheres, de moradores de favelas, de pessoas LGBTI e denunciava as execuções extrajudiciais e outras violações de direitos cometidas por policiais e agentes do estado. Foi eleita vereadora e iniciou seu mandato em janeiro de 2017. Alguns dias após o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, foi nomeada relatora da Comissão Representativa da Câmara de Vereadores criada para monitorar a intervenção federal.

“A cada dia que passa, o reconhecimento internacional do exemplo de vida de minha filha aumenta e é transformado em luta por justiça, em cobrança para o estado brasileiro. Marielle foi uma liderança em tudo que participou, sempre com o pensamento de ajudar o próximo, acreditando que a organização coletiva e solidária poderia transformar o mundo. Ao fazer pelo outro ela se sentia bem. Minha família não vai descansar enquanto não tiver uma resposta sobre a motivação deste crime”, disse Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco.

O Brasil tem um preocupante histórico de alto número de homicídios de defensores de direitos humanos. A maioria dos casos não é investigada e nem responsabilizada e nos poucos casos que são levados à justiça são apenas os executores que vão à julgamento. Raramente os mandantes dos assassinatos são responsabilizados, o que perpetua a violência contra os que defendem direitos humanos no país.

“O homicídio de um defensor de direitos humanos é uma tentativa de gerar medo e silêncio, um ataque não apenas ao defensor assassinado, mas a um grupo social mais amplo. É uma mensagem para desmobilizar a luta por direitos e é um ataque aos direitos humanos como um todo. Assim, o Estado Brasileiro deve responder com firmeza e seriedade aos homicídios de defensores de direitos humanos para que este processo de silêncio e medo não se amplie e para romper com o ciclo de violência contra defensores de direitos humanos”, finalizou Werneck.